quarta-feira, 22 de agosto de 2012

pesquisa mostra a realidade dos moradores de rua

Pesquisa mostra a realidade dos moradores de rua

Por: Osiris Reis
osiris@diariopopular.com.br
Eles estão por todos os lados. Algumas vezes são tratados com desprezo, outras com compaixão. Atrás dos rostos talhados pelas experiências de vida, histórias que certamente renderiam best sellers. Assim é a vida dos moradores ou pessoas em situação de rua de Pelotas. Cada dia, uma batalha travada com a sobrevivência, mas principalmente com a aceitação social.
É nesse universo de vivências que o mestre em Ciências Sociais, Tiago Lemões, realizou sua pesquisa de conclusão de curso intitulada Família, rua e afeto: etnografia dos vínculos familiares, sociais e afetivos de homens e mulheres em situação de rua. Durante um ano ele vivenciou o convívio com essa parcela da sociedade e relatou suas vidas. A pesquisa compõe-se de descrição detalhada sobre a maneira como se organizam aqueles que às vezes passam despercebidos pela maioria da sociedade.
Desenvolvimento
No início, o trabalho foi difícil. Os moradores de rua sentiam-se intimidados com a figura tradicional do pesquisador, caracterizada por entrevistas formais com o auxílio de um gravador. O jeito foi largar tudo isso e imergir na realidade vivida por milhares de brasileiros. Lemões começou a estabelecer os primeiros vínculos nos pontos de doação de alimentos ou roupas e só dessa maneira conseguiu adquirir a confiança dos moradores de rua. Para isso, foi necessária uma participação natural na vida deles, partilhando alimentos e bebidas. Com o decorrer dos meses, conviveu quase diariamente com um grupo de 20 pessoas e estabeleceu laços estreitos com eles.

Confira na edição impressa do Diário Popular desta quinta-feira (26) os resultados da pesquisa, as situações vividas pelos moradores de rua, as ações sociais desenvolvidas no município e as obras previstas nos locais que atendem essas pessoas.

arquiteturas do abandono

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viva o pró-rua

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drama dos moradores de rua


shopping praça xv abandonado



O Shopping Praça XV: o objeto evocativo
Atualmente a cidade de Pelotas não possui nenhum shopping. Ou melhor, apenas um shopping em obras e em estado de abandono: o Shopping Praça XV. Mesmo abandonado é reconhecido como o shopping da cidade.  Foi abandonado a mais de 10 anos (com projeto datado de 1995), localiza-se no coração da cidade em frente à Praça Coronel Pedro Osório na Rua XV de Novembro. A massa construída que contava originalmente com 3 (três) pavimentos totalizando 75 (setenta e cinco) lojas, um estacionamento nos 2 (dois) subsolos, e uma loja no andar térreo, onde hoje funciona uma agência bancária. Mas o que mais chama atenção na imagem da cidade é a torre de 14 (quatorze) andares, com 84 (oitenta e quatro) apartamentos, onde funcionaria o edificio Central Park (LIHTNOV, BARROS, & VIEIRA, 2009). O projeto era iniciativa de uma grande construtora da cidade, que por motivos econômicos entrou em falência, respondendo diversos processos e deixando o shopping em estado de abandono, indo a leilão já por diversas vezes.
Observa-se a edificação abandonada de vários pontos da cidade, principalmente a torre, com sua estrutura aparente – tijolos, concreto e ferro – há uma beleza simples e um horror ao mesmo tempo quando avistamos esse edíficio. Beleza talvez por sabermos onde estamos, e horror porque a qualquer momento parte da estrutura pode ruir – desprender-se –, como já aconteceu várias vezes. A um contraste entre a torre abandonada no centro da cidade e os outros edifícios. Como entre o tijolo aparente do abandono ainda em construção e os outros edíficios rebocados. É carne e pele, lado a lado. Figura e fundo, como huma tela de Paul Klee. Todos os seus elementos construtivos ocupam lugares diferentes na pasiagem, embora ocupem posições estabelecidas pelo olhar, saem de seus lugares e participam de outras edificações vizinhas – criando linhas de movimento que se opõe ao contorno da pasiagem “querida” para a cidade – e se transforma numa forma figurativa do expressionismo abstrato: as figuras que se movem criam a abstração que dá ao edificio sua poesia visual. O Shopping Praça XV considerado não como um obejto integral, mas evocativo – inspira partes indissiocráticas em mim; foi projetado naquele espaço, ao longo da vida – contém parte da minha vida que, sou morador, usuário, arquiteto, urbanista da cidade. Dependendo de meu estado de ânimo, a visão dessa arquitetura abandonada provoca diferentes sentidos. Sem pensar muito sobre isso, quando atrevessamos uma cidade – ou caminhamos em nosso bairro – estamos engajados num tipo de sonho. Cada olhar que cai sobre um objeto de interesse pode produzir um momento de devaneio – quando pensamos sobre algo mais, inspirado pelo ponto de contato emocional – e durante nosso dia teremos registros desses devaneios, os quais Freud chamou de intensidades psíquicas, que ele acreditava serem os estímulos para o sonho daquela noite. Como um tipo de sonho, os devaneios produzidos por objetos evocativos constituem uma importante característica de nossa vida psíquica.
Na teoria psicanálitica de Freud, a noção de objeto tem sido bastante controversa, para alguns o objeto é psíquico, para outros pode ser bastante real, como um edifício abandonado. André Green, em texto recente, chegou a afirmar que o objeto para Freud é "polissêmico, existe sempre mais que um objeto e, como um todo, eles cobrem vários campos e realizam funções que não podem ser abarcadas por um só conceito" (GREEN, 2006, p. 9). Assim como acontece com outras noções centrais do ponto de vista epistemológico, também com relação à noção de objeto Freud não chegou a estabelecer uma definição única e final em termos conceituais. Utilizando-se dos recursos próprios da língua alemã para a formação de palavras, Freud apresenta em suas obras uma série de noções que anunciam a riqueza e a variedade do uso do objeto na construção de sua teoria. Assim, encontramos, numa lista não exaustiva, noções como Objektwahl (escolha de objeto), Determinierung des Objectwahl (determinação da escolha de objeto), Identifizierung als Vorstufe der Objektwahl (identificação como grau elementar da escolha de objeto), infantile Objektwahl (escolha de objeto infantil), inzestuöse Objektwahl (escolha de objeto incestuosa), homossexuele Objektwahl (escolha de objeto homossexual), Anlehnungstypus der Objektwahl (escolha anaclítica de objeto), narzissistische Objektwahl (escolha narcísica de objeto), Objektfindung (encontro do objeto), Objektbesetzung (investimento de objeto), Objekt-Libido (objeto de libido), Objekttriebe (objeto de pulsões), Objektliebe (objeto de amor), Objektwechsel (troca de objeto), Objektwerbung (recrutamento do objeto), Objektverzicht (renúncia do objeto), Objektverlust (perda do objeto), Objektvermeidung (ato de evitar o objeto) e Mutterbrust als erstes Objekt (seio materno como primeiro objeto).
A partir desses conceitos podemos reconhecer muitos dos temas centrais da teoria psicanalítica de Freud e a forma como a noção de objeto participa da construção do conjunto teórico. Como um primeiro ponto seria preciso destacar a relação entre a sexualidade, ou melhor, as moções da pulsão sexual, suas "ações", e os objetos. Em geral, Freud se refere a objetos que são na realidade representações psíquicas. Assim, o movimento a que se refere à moção pulsional deve ser considerado um movimento interno ao psiquismo. A seguir, seria necessário destacar a expressão "escolha de objeto", que se refere, em geral, à escolha de objetos de amor. Como bem expressam Laplanche & Pontalis (2001) o termo "escolha" não deve ser considerado em seu sentido racional, de uma opção consciente, mas sim como o que há de irreversível, na eleição feita pelo indivíduo, do seu tipo de objeto de amor.
A escolha pode se referir a uma pessoa específica que é eleita como objeto de amor, ou a tipos de escolha, como quando Freud se refere, por exemplo, à "escolha de objeto incestuosa", ou "escolha de objeto homossexual". Há ainda a referência ao próprio sujeito, ou mais precisamente, ao ego como instância psíquica, que pode ser tomado como objeto, como no caso dos investimentos narcísicos. Mas, para Freud (1914/1972), escolhas narcísicas de objeto, embora exercidas a partir do modelo estabelecido da relação do sujeito consigo mesmo, caracterizam-se também por escolhas de outros objetos que representem de alguma forma o próprio sujeito ou algum de seus aspectos. Freud partiu de sua observação da experiência psíquica de indivíduos homossexuais que escolheriam seu objeto de amor tomando a si mesmos como modelos. Em oposição a este tipo de escolha, Freud propôs o que ele denominou "escolhas analíticas de objeto". Nesses casos, o objeto de amor é escolhido a partir do modelo das primeiras relações objetais, em geral as relações com os pais.
Arquitetura do abandono, como um objeto evocativo, como diz Turkle (2007), boa para se fazer pensar. Algo como uma experiência proibida, um edifício abandonado, como algo novo para se pensar, sobre o que somos e o que a cidade é realmente, um abandono como revestimento da sociedade e da cultura, da cidade.
Uma mente que ainda não é uma mente. Um novo objeto que não se torna ainda “nem uma coisa, nem outra” (TURKLE, 2007, p. 37), envolvida por superstição e ciência. Uma luz diferente, pelas frestas, pelas rachaduras, sua ruína, um obejto evocativo, que fascina, perturba a tranquilidade e estimula o pensamento. São micromundos construídos a partir desse objeto evocativo que oferece a oportunidade de exercermos atividades nele e sobre ele, pois os micromundos pelos quais somos atraídos. Desse modo, temos a oportunidade de lidar com eles em situações em que eles atuarão como projetores de parte do “eu”, como um espelho da mente (TURKLE, 2007).
Um espelho que pode refletir o pensar, que pode dar o feedback ou tornar-se espaço desse feedback, ou mesmo, pode vincular-se ao processo de forma quase orgânica, simbiótica, uma fusão massiva com o humano que também é indispensável neste processo. Podemos então pensar no papel da arquitetura do abandono como desenvolvedor de uma ação similar à que acontece quando colocamos dois espelhos um em frente do outro. As imagens são projetadas de forma a perdermos de vista as reflexões procedentes. Talvez, esteja nessa imagem o retrato do processo de construção de conhecimento possível de ser desempenhado no pensar-com-abandonos. Colocar em frente a um espelho capaz de dar feedback na ação de projetar, de simular, de imaginar, de criar, entre outras. Ação enriquecida por outros sistemas, outros processos de atores humanos e também não-humanos que se encontram muitas vezes no outro lado da linha (geograficamente distantes). Um edifício abandonado, nessa perspectiva, torna-se para o ser (substantivo) humano uma possibilidade à reflexão, desta vez não em relação à massa construída, mas em relação a si próprio.  So nos resta, então, sair à rua e observar o Shopping Praça XV – olhar ao longe – sempre se avista um deles por aí. Sinta-o e pense.